PERFIL DE ÂNGELA VASCONCELOS

Era julho de 1964, ano do golpe. Uma moça de 19 anos despertava a admiração incondicional da imprensa. Atrativos, além dos físicos, ela tinha de sobra. Estudara na Europa, era bailarina clássica e artista plástica precocemente inspirada por Dali. Desenvolvera, por Bach, uma paixão inestimável. Existencialista, não dispensava a leitura de Sartre. Goethe, porém, era seu poeta favorito: lia o Fausto em alemão. Dominava também o francês e o inglês. Os repórteres, desacostumados com a perfeição, custavam a crer na autenticidade daquela mulher paradigmática. Mas a Miss Brasil Ângela Vasconcelos parecia ser real. E, ainda por cima, tinha olhos verdes.

Nascida no Rio de Janeiro, quando seu pai militar cursava a Escola Superior de Guerra, Ângela fora criada em Curitiba, onde já havia conquistado uma série de títulos. Inclusive o de Miss Piscina do Paraná. O estado, no entanto, não detinha a exclusividade das comemorações pela coroa nacional. O momento, de acordo com o ultranacionalismo da mídia, era histórico. Pela primeira vez, uma Miss Universo – a gaúcha Ieda Vargas, recém-eleita em Miami – entregava a faixa de Miss Brasil para uma sucessora. A torcida, então, era por um possível "bicampeonato". Enroladas em capas de veludo vermelho e golas de arminho, as mulheres mais bonitas do planeta eram nossas. Em 1964, esse era um motivo de mobilização social.

Ângela Vasconcelos mora há 33 anos no Rio de Janeiro. É arquiteta, casada e mãe de três filhos. Já conta com a mesma quantidade de netos. Não gosta do BBB por considerá-lo de "baixo nível". E, para ela, os atuais concursos de miss parecem "museus vivos". "As pessoas pararam no tempo e no espaço", brinca. Ângela explica: "Os concursos não fazem mais sentido. Mesmo nos anos 60, década da emancipação feminina, já estavam ultrapassados". Além disso, ela conta que, quando foi a Miami disputar o Miss Universo, já pôde perceber que só as candidatas latino-americanas davam importância à coroa. "As européias já tinham a idéia de buscar uma carreira internacional de atriz ou modelo. Já as latinas (com exceção de Vera Fischer em 69) viam o título como a realização de um sonho maravilhoso. Era um reflexo do nosso padrão de subdesenvolvimento", diz Ângela. Atualmente, ela também considera complicado eleger como exemplar uma beleza que, sozinha, consiga representar a diversidade racial brasileira. E as modelos, hoje, já teriam subvertido quaisquer conceitos estéticos antes facilmente mensuráveis. "São secas e exóticas, não exatamente belas. Seus rostos podem ser até histriônicos", diverte-se.
Fonte:http://www.nume.com.br/conteudo.php?id=196